O Mito do NAFTA

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N. do T.: o texto a seguir é de outubro de 1993. Nele, Rothbard explica por que é falacioso dizer que o NAFTA — assim como a ALCA — é um acordo de “livre comércio”, e por que esses tratados são simplesmente a etapa inicial da criação de uma super-burocracia supranacional, onde os países perdem toda a sua soberania para um órgão estrangeiro. Isso é exatamente o que ocorreu com os países da união européia, e que pode vir a ocorrer nas Américas, especialmente com a introdução do “Amero”, que é o nome de uma moeda comum — estilo Euro — a ser utilizada entre o Canadá, os EUA e o México, em substituição ao dólar. Libertários americanos têm dito que a atual desvalorização do dólar é intencional, apenas para acelerar sua substituição pelo Amero.

Os americanos — ou pelo menos o establishment americano — parecem ser o povo mais ingênuo da terra. Quando Gorbachev tentou vender suas reformas como sendo “socialismo de mercado”, apenas o establishment americano aplaudiu. A população soviética imediatamente percebeu o embuste e nem se animou. Quando Oskar Lange, o polonês stalinista, propagandeou seu “socialismo de mercado” para a Polônia, somente os economistas americanos teceram loas. O povo polonês já conhecia a partitura muito bem.

Parece que, para convencer algumas pessoas de que uma coisa tem uma natureza que verdadeiramente representa a “livre iniciativa”, tudo o que você precisa fazer é rotular essa coisa de “mercado”. Assim, temos que agüentar uma desova de expressões grotescas como “socialistas de mercado” ou “esquerdistas de mercado”. A palavra “livre”, obviamente, também seduz, e assim, uma outra maneira de ganhar aderentes em uma época em que se exalta a retórica em relação à substância é simplesmente dizer que suas propostas representam um “livre mercado” ou “livre comércio”. Frequentemente, rótulos são suficientes para enganar trouxas.

Dessa forma, entre os defensores do livre comércio, o rótulo “North American Free Trade Agreement — Acordo Norte-Americano de Livre Comércio” (NAFTA) supostamente deve trazer uma aceitação inquestionável. “Mas como você pode ser contra o livre comércio?” É muito fácil. Os indivíduos que criaram o NAFTA e ousam chamá-lo de “livre comércio” são os mesmos que dizem que os gastos do governo são “investimentos”, que impostos são “contribuições”, e que aumento de impostos é “redução do déficit”. E não nos esqueçamos que os comunistas também consideravam que seu sistema era “livre”.

Em primeiro lugar, um genuíno livre comércio não requer um tratado (ou o seu primo deformado, “acordo comercial”; o NAFTA é chamado de acordo comercial porque assim pode-se evitar o requerimento constitucional que requer a aprovação de dois terços do Senado). Se o establishment verdadeiramente quer um livre comércio, tudo o que ele tem que fazer é repelir nossas inúmeras tarifas, cotas de importação, leis anti-“dumping”, e outras restrições impostas ao comércio. Não é necessária nenhuma política externa ou manobra conjunta.

Se um autêntico livre comércio algum dia surgir no horizonte político, haverá uma maneira infalível de saber disso. Todo o complexo que envolve o governo, a mídia e as grandes corporações irá se opor a ele com unhas e dentes. Iremos ver uma avalanche de artigos nos jornais “alertando” sobre um retorno iminente ao século XIX. Os palpiteiros da mídia e os acadêmicos irão reviver todos os boatos de sempre contra o livre mercado, dizendo que ele é explorador e anárquico se não tiver uma “coordenação” do governo. O establishment iria reagir a essa criação de um verdadeiro livre comércio com o mesmo entusiasmo que reagiria à abolição do imposto de renda.

Na verdade, toda a proclamação de “livre comércio” feita pelo establishment desde a Segunda Guerra promove o oposto do que seria uma genuína liberdade de trocas. Os objetivos e táticas do establishment têm sido consistentemente aqueles que caracterizam o inimigo tradicional do livre comércio, o “mercantilismo” — o sistema imposto pelas nações-estado da Europa, dos séculos XVI ao XVIII. A infame viagem do presidente George H. W. Bush ao Japão foi apenas um estágio: a política comercial como um sistema contínuo de manobras para tentar forçar outros países a comprar mais exportações americanas.

Enquanto os genuínos defensores do livre comércio vêem o livre mercado e o comércio, doméstico ou internacional, do ponto de vista do consumidor (isto é, de todos nós), o mercantilista, seja do século XVI ou de hoje, vê o comércio do ponto de vista das elites no poder, das grandes corporações em aliança com o governo. Genuínos defensores do livre comércio consideram as exportações um meio de pagar as importações, da mesma maneira que bens em geral são produzidos para serem vendidos aos consumidores. Já os mercantilistas querem privilegiar a elite, que é composta da aliança entre o governo e as corporações, em detrimento de todos os consumidores, sejam eles domésticos ou estrangeiros.

Nas negociações com o Japão, por exemplo, sejam elas conduzidas por Reagan, Bush ou Clinton, o objetivo é forçar esse país a comprar mais produtos americanos, em troca dos quais o governo americano irá graciosamente, se não relutantemente, permitir que os japoneses vendam seus produtos para os consumidores americanos. As importações são, nesse caso, o preço que o governo americano paga para que outras nações aceitem nossas exportações.

Outro aspecto crucial da política comercial do establishment, após a Segunda Guerra, é o de dar subsídios pesados às exportações, tudo em nome do “livre comércio”. Um dos métodos favoritos de subsídio tem sido o adorado sistema de ajudas ao exterior, as quais, sob o pretexto de “reconstruir a Europa”, “frear o comunismo”, ou “expandir a democracia”, representam uma verdadeira extorsão dos contribuintes americanos, que são forçados a subsidiar as empresas e indústrias de exportação, bem como governos estrangeiros que concordam com esse sistema. Dólares são mandados para esses países para que eles possam utilizá-los para comprar produtos americanos. O NAFTA representa uma continuação desse sistema, pois obriga o governo dos EUA e os contribuintes americanos a participar desse esquema.

Entretanto, o NAFTA é mais do que um acordo comercial dirigido pelas grandes corporações. Ele é parte de uma longa campanha para integrar e cartelizar os governos com o intuito de fomentar uma economia intervencionista. Na Europa, a campanha culminou no Tratado de Maastricht, a tentativa de impor uma moeda única e um banco central único na Europa e forçar suas economias relativamente livres a aumentar suas regulamentações e seus assistencialismos.

Nos EUA, isso se transfigurou na retirada das autoridades legislativas e judiciais dos estados e municípios, sendo as mesmas transferidas para o poder executivo do governo federal. As negociações do NAFTA têm inovado ao centralizar o poder governamental para todo o continente, diminuindo ainda mais a capacidade dos contribuintes oporem alguma resistência às ações dos seus governantes.

Assim, o canto da sereia que os defensores do NAFTA utilizam é a mesma melodia sedutora que os Eurocratas socialistas usaram para tentar fazer os europeus se renderem ao estatismo gigantesco da Comunidade Européia: não seria maravilhoso fazer com que a América do Norte fosse uma vasta e poderosa “unidade de livre comércio” como a Europa? A realidade é bem diferente: intervenção socialista e planejamentos feitos por uma Comissão supra-nacional do NAFTA ou por burocratas de Bruxelas que não precisam prestar contas a ninguém.

E da mesma forma que Bruxelas obrigou países europeus que tinham baixa carga tributária a aumentar seus impostos para os mesmos níveis da união européia, ou que expandissem seus assistencialismos para haver uma maior “eqüidade”, para “igualar o jogo”, e para “harmonizar para cima”, a Comissão do NAFTA também terá o poder de fazer uma “harmonização para cima”, sem precisar ter qualquer consideração pelas leis — sejam elas trabalhistas ou outras — dos governos estaduais americanos.

Mickey Kantor, representante da política comercial do presidente Clinton, manifestou alegremente que, sob o NAFTA, “nenhum país membro do acordo poderá jamais baixar seus padrões ambientais”. Assim, sob o NAFTA, não poderemos jamais repelir quaisquer cláusulas de cunho socialista, sejam elas ambientalistas ou trabalhistas, simplesmente porque o tratado nos obriga a aceitá-las — para sempre.

No mundo atual, como regra geral, é melhor se opor a todos os tratados, uma vez que não aprovamos a Bricker — a grande Emenda Constitucional que poderia ter sido aprovada pelo Congresso nos anos 1950, mas foi derrubada pela administração Eisenhower. Infelizmente, sob a Constituição, qualquer tratado é considerado “lei suprema da nação”, e a Emenda Bricker iria impedir que qualquer tratado sobrepujasse qualquer direito constitucional já existente. Mas se temos que ficar atentos a qualquer tratado, temos que ser particularmente hostis a um tratado que ergue estruturas supra-nacionais, como o NAFTA.

Os piores aspectos do NAFTA são os acordos laterais feitos por Clinton, que converteram um infeliz tratado feito por Bush em um estatismo internacional que é um verdadeiro show de horrores. Devemos agradecer aos acordos laterais pela criação das Comissões supra-nacionais e suas vindouras “harmonizações para cima”. Um acordo lateral também dá aquela aparência de ajuda externa que serve para disfarçar o embuste que é o “livre comércio” defendido pelo establishment. Exemplo: esses acordos permitem, por exemplo, que os EUA despejem estimados $20 bilhões no México para uma “limpeza ambiental” ao longo da fronteira. Óbvio que a intenção é fazer com que esse dinheiro seja utilizado para a importação de produtos americanos. Além disso, os EUA também concordaram informalmente em despejar bilhões nos cofres do governo mexicano, através do Banco Mundial, quando e se o Nafta for assinado[*].

Assim como ocorre para qualquer política que beneficia o governo e seus grupos de interesse, todo o establishment saiu em defesa dos esforços para se implementar o NAFTA. Seus aliados intelectuais até criaram redes de contatos para defender a centralização governamental. Mesmo se o NAFTA fosse um tratado estimável, só essa efusão de esforços por parte do governo e de seus aliados já levantaria suspeitas.

O público está corretamente desconfiado de que esses esforços estejam relacionados à vasta quantia de dinheiro que o governo mexicano e seus grupos de interesse estão gastando para fazer lobby pelo NAFTA. Esse dinheiro é, por assim dizer, o pagamento de entrada para os $20 bilhões que os mexicanos esperam extorquir dos contribuintes americanos quando o NAFTA for aprovado.

Defensores do NAFTA dizem que os americanos devem se sacrificar para “salvar” o presidente mexicano Carlos Salinas e suas supostamente maravilhosas políticas de “livre mercado”. Mas certamente os americanos já estão realmente cansados de ficar fazendo “sacrifícios” eternos, de ficar cortando a própria garganta em prol de objetivos externos obscuros que parecem nunca beneficiá-los. Se o NAFTA morrer, Salinas e seu partido poderão cair. E isso significa que o depravado regime monopartidário do México, comandado pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional), pode finalmente chegar ao fim, após muitas décadas de pura corrupção. O que há de errado com isso? Por que deveria tal destino fazer com que nossos defensores da “democracia global” tremessem?

Nós deveríamos olhar para a suposta nobreza de Carlos Salinas da mesma maneira que olhamos para outros heróis sucedâneos jogados sobre nós pelo establishment. Quantos americanos sabem, por exemplo, que de acordo com o Anexo 602.3 do tratado do NAFTA, o governo de Salinas, que dizem ser “pró-livre mercado”, “reserva para si próprio” toda a exploração e uso, todo investimento e fornecimento, todo o comércio, transporte e distribuição de petróleo e gás natural? Todos os investimentos privados em petróleo e gás no México, assim como toda a operação dos mesmos, devem, em outras palavras, ser proibidos. É esse o governo pelo qual os americanos devem se sacrificar para preservar?

A maioria dos conservadores ingleses e alemães está totalmente a par dos perigos da Eurocracia de Bruxelas-Maastricht. Eles sabem que quando as pessoas e instituições cuja existência é dedicada a promover o estatismo repentinamente saem em defesa da liberdade, algo está errado. Os conservadores americanos e os defensores do livre mercado deveriam também estar a par dos perigos equivalentes do NAFTA.

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[*] Como de fato aconteceu em 1994. [N. do T.]

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